Thursday, June 14, 2007

Processos Históricos - Adultério de Camilo Castelo Branco e Ana Plácido



Tribunal Criminal, 1.º Distrito do Porto.
Por queixa de Manuel Pinheiro Alves, marido de Ana Augusta Plácido, foi instaurado processo de querela, por adultério, contra Camilo Castelo Branco e aquele Ana. O processo foi objecto de despacho lavrado, em 22 de Dezembro, pelo juiz José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, pai do Eça, titular daquele Tribunal Criminal, sito na Praça D.ª Filipa de Lencastre, na esquina com a Rua da Picaria. A queixa foi assinada pelo advogado Alexandre Couto Pinto e os acusados tiveram como defensor Marcelino de Matos que também havia de defender, noutro processo, o Zé do Telhado.
Camilo e Ana acabaram por ser pronunciados, ela por adultério e ele por ter copulado com mulher casada, por decisão do Tribunal da Relação do Porto, já que o juiz Queirós apenas pronunciara a Ana. Isto por que só o adultério da mulher era punível e, relativamente ao homem compartiticipante, a punibilidade pressupunha o flagrante delito (sós e nus na mesma cama) ou a existência de cartas ou outro documento escrito. O flagrante não se verificava e apenas existia uma carta dirigida a um tio (informador de Pinheiro Alves da infidelidade da mulher) de Ana, mas em que não era mencionado o nome desta. Na sequência da pronúncia, Ana Plácido e, mais tarde Camilo, recolheram à Cadeia da Relação. Depois de muitos incidentes (pedidos de escusa de juízes, recursos), chegando o processo a subir ao Supremo Tribunal de Justiça, foi efectuado o julgamento, num ambiente extremamente emo-tivo, correspondente à grandiosidade do escândalo. Estava ao rubro a curiosidade das provectas virgens, das matronas desocupadas e dos conquistadores frustrados, além dos seráficos moralistas de fachada. Se a Relação ultrapassara a desadequação legal à evolução se senso comum, pronunciando ambos os Réus, considerando que "seria um contra-senso inqualificável que esse homem que a teve teúda e manteúda já nesta cidade na Rua da Picaria, já em Lisboa e na Foz: que a foi tirar ao Convento da Conceição em Braga aonde se achava, para assim continuar com ela uma vida de escândalo e imoralidade que afecta a sociedade em geral ficasse impune ...", o júri, acaba, de forma oposta por tornear aquela desadequação, não considerando provados quesitos fundamentais. A sentença, proferia em 17 de Outubro de 1861 (peça que, presentemente, não se encontra no processo por ter desaparecido), limitou-se a absolver os acusados e emitir mandados de soltura..
Camilo permaneceu na cadeia, em prisão preventiva, um ano e dezasseis dias. Ana um pouco mais. Durante a prisão, ele receou que o tio da Ana que esteve na base da descoberta da situação de amantismo, pagasse a alguém, dentro da Cadeia, para o matar. Acabrunhado, terá desabafado os seus temores perante um outro preso o qual lhe terá garantido que estivesse descansado, pois, se alguém ali lhe tocasse com um dedo, três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos. Este outro preso era José do Telhado. O gratidão de Camilo levá-lo-ia a compartilhar o seu advogado de defesa. A aura romântica do assaltante também a isso se terá ficado a dever.

Porto, 2.02.1999.Pereira da Graça.
extraído da página do Tribunal da Relação do Porto
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